sábado, 14 de maio de 2011

Discurso Evocativo do 25 de Abril

Exm.ª Senhora Presidente da Câmara Municipal de Miranda do Corvo

Exm.º Senhor Presidente da Assembleia Municipal de Miranda do Corvo

Exm.ºs Senhores Presidentes das Juntas de Freguesia

Exm.ª Senhora e Exm.ºs Senhores Membros da Comissão Organizadora das Comemorações do Centenário da República em Miranda do Corvo

Exm.º Senhor Presidente do Agrupamento de Escolas de Miranda do Corvo

Exm.º Senhor General Monteiro Valente

Demais Autarcas, Autoridades e Convidados

Senhoras e Senhores

Evocamos hoje a Revolução de Abril.

Há 37 anos os Capitães saíram à rua e com o povo português fizeram uma revolução.

Há 37 anos Salgueiro Maia invadiu Lisboa e ocupou o Terreiro do Paço e o Largo do Carmo.

Há 37 anos o então Capitão Monteiro Valente saiu à rua, assumindo o comando do Regimento de Infantaria N.º 12, na cidade da Guarda, e com as suas tropas ocupou a fronteira de Vilar Formoso.

Nunca esqueceremos esse grupo de jovens, na flor da idade, tocados por um sonho de liberdade, pelo qual se arriscaram em nome de todos nós, em nome de Portugal, e nos trouxeram a esperança de Abril.

A si o meu muito obrigado, Sr. General, mas também na sua pessoa gostaria de evocar e homenagear Salgueiro Maia e todos os Capitães de Abril.

Como manifestação de agradecimento e apreço pela paz e pela liberdade que generosamente nos ofereceram peço a todos os presentes que se levantem e que em pé façamos ecoar uma calorosa salva de palmas.

Senhoras e Senhores

As comemorações do Centenário da República vão trilhando o seu caminho em Miranda através duma série de realizações e eventos que a Autarquia tem vindo a levar a cabo, ao longo de 2010 e 2011, prevendo-se o encerramento deste ciclo de comemorações no próximo dia 5 de Outubro.

Em 2011 tivemos já o workshop Mix-República e a exposição Viva a República Em Digressão. Estão ainda previstos, para além da realização de algumas tertúlias e conferências, mais dois momentos altos.

No dia 1 de Junho, evocando o nascimento de José Falcão, teremos a assinatura dum protocolo, com o Senhor Professor Doutor Amadeu Carvalho Homem, que irá permitir a criação dum Centro de Estudos Republicanos na Biblioteca Municipal Miguel Torga, teremos também o lançamento dum livro sobre a vida privada dos Presidentes da Primeira República e teremos ainda a inauguração, nos Paços do Concelho, duma galeria com os retratos dos Presidentes da nossa Câmara Municipal após a implantação da República. Pretende-se que seja uma galeria viva e continuada no tempo com os retratos dos futuros presidentes.

No dia 5 de Outubro teremos o encerramento das Comemorações com uma exposição evocativa do republicanismo, teremos a inauguração do Centro de Estudos Republicanos Amadeu Carvalho Homem e teremos ainda o lançamento dum livro com as actas das comemorações do Centenário da República em Miranda.

Não posso esconder o orgulho que sentimos quando o Sr. Professor Doutor Carvalho Homem decidiu, duma forma generosa e altruísta, oferecer a sua biblioteca pessoal à biblioteca Miguel Torga e justificou publicamente a sua decisão com o modo como Miranda soube dignificar as Comemorações do Centenário da República.

Senhoras e Senhores

A construção de infraestruturas que permitissem a democratização do ensino do 1º ciclo, à data denominado ensino primário, e a sua disseminação foi uma das prioridades da Primeira República.

Não poderíamos terminar este ciclo de comemorações sem a inauguração duma nova e moderna escola em Miranda.

Daí que desde o início tivéssemos incluído esta inauguração no nosso programa.

Inaugurar hoje este Centro Educativo é uma forma de homenagearmos os valores de Abril mas é também uma forma de honrarmos a República e os seus ideais.

Senhoras e Senhores

Mas hoje, dia 25 de Abril, importa evocarmos a revolução dos cravos que há 37 anos nos trouxe a liberdade.

É indiscutível que Portugal é hoje um país livre e, do ponto de vista das liberdades, uma democracia sem mácula.

O nosso concelho é aliás um exemplo da vivacidade da nossa democracia.

Em Miranda a alternância democrática é uma constante.

Em Miranda todos os órgãos autárquicos, Câmara Municipal, Assembleia Municipal e todas as Juntas e Assembleias de Freguesia, já foram presididos por mais do que um partido.

Já por várias vezes a Câmara e a Assembleia Municipais foram em eleições simultâneas, ganhas por partidos diferentes e sempre soubemos conviver bem com isso.

Praticamente todas as eleições legislativas e europeias foram ganhas pelo Partido Socialista mas a maioria das vezes as eleições autárquicas têm sido ganhas pelo Partido Social Democrata.

Ainda nas últimas eleições, há cerca de ano e meio, os mirandenses deram uma vitória esmagadora ao Partido Socialista nas eleições legislativas e apenas um mês depois deram a vitória ao PSD nas eleições autárquicas.

Os mirandenses sempre deram mostra duma grande maturidade democrática, rejeitando o voto seguidista e acrítico por indicação das bandeiras partidárias.

Não poderia ser de outra maneira. Honramos a nossa história.

Somos um povo que tem a herança genética de José Falcão e de muitos outros grandes republicanos e democratas que enriquecem a história do nosso concelho.

Sendo eu republicano e democrata, este elevado sentido democrático dos mirandenses é para mim uma honra e motivo de grande orgulho.

Mas Abril não foi apenas um sonho de liberdade, foi também motivado por um conjunto de valores e princípios éticos.

Tal como o republicanismo também a revolução de Abril teve a sua génese no pensamento iluminista do Século XVIII.

O espírito de Abril está associado a um conjunto de valores éticos que foram beber a sua inspiração no primado dos princípios da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade.

Minhas Senhoras e Meus Senhores

37 anos depois impõe-se uma pergunta... teremos nós sabido cumprir Abril?

Hoje é indiscutível que Portugal é um país muito mais moderno e progressista do que era em 74 mas também é uma realidade que Portugal é hoje o país que na Europa apresenta maiores diferenças entre os mais ricos e os mais pobres e uma maior assimetria entre os salários mais baixos e os mais altos.

Hoje permitimos que salários e reformas de miséria convivam lado a lado com ordenados escandalosamente altos, muitos deles pagos com dinheiro público.

Nos últimos anos temos assistido a uma degradação acelerada dos valores de Abril.

Hoje a maioria de nós tem a opinião que a nossa justiça não é justa nem independente, sendo antes um joguete dos interesses e poderes político e financeiro.

Hoje o nosso sistema educativo está cada vez menos democrático e mais elitista. Cada vez é mais difícil o filho dum pobre conseguir ser médico ou juiz, independentemente do seu mérito e da sua inteligência.

Hoje o Sistema Nacional de Saúde está a ser alvo de constantes amputações e atropelos. Fecharam extensões de saúde, fecharam urgências, fecharam serviços nocturnos, fecharam maternidades, faltam médicos nos Centros de Saúde e faltam meios. Até o álcool já falta nos Centros de Saúde.

Hoje a fuga ao fisco e a economia paralela representam cerca de 30% da economia nacional, prevendo-se que este valor esteja a aumentar.

Hoje já temos mais de setecentos mil desempregados, com uma forte incidência nos mais jovens e com mais elevadas habilitações, o que está a provocar um surto de emigração, sem paralelo desde meados do século passado.

Estamos a expulsar as nossas futuras elites enriquecendo o capital humano qualificado de outros países.

Hoje temos um uma segurança social falida porque passivamente deixámos envelhecer o país, transformando-o no mais envelhecido da Europa.

Hoje muitas das conquistas que julgávamos intocáveis estão a ser postas diariamente em causa

Hoje muitos portugueses alheiam-se da política e fartos de promessas incumpridas e de demagogia, deixaram de se rever e acreditar na maioria dos nossos políticos.

A abstenção sobe de acto eleitoral para acto eleitoral, pervertendo completamente o sentido da democracia.

Hoje a corrupção corrói a saúde da nossa democracia. Os portugueses começam a não querer separar o trigo do joio. Começa a fazer escola o principio do “são todos iguais”. Este é... o principio do fim.

Hoje muitas nas nossas elites esqueceram o significado de palavras como pátria, honra, ética, dever e serviço público.

Hoje muitas das nossa elites fecham sistematicamente os olhos à injustiça e à mentira.

Hoje muitas das nossas elites esqueceram a chama de Abril, deixando esmorecer o sonho duma sociedade mais justa e mais igual.

Uma sociedade cada vez com menos pobres e em que os ricos, em vez de pensarem só em si, lutem pela elevação da própria sociedade.

Uma sociedade que aposte no homem e no seu valor, dando a todos iguais oportunidades para que o valor de cada um se possa evidenciar.

Senhoras e Senhores

Fruto de muitos desvarios, irresponsabilidade e incompetência de alguns governantes, Portugal está hoje numa situação financeira complicadíssima, à beira da Bancarrota.

A nossa crise é uma crise financeira grave mas é também e sobretudo uma crise de valores.

É nos momentos difíceis que se avalia a têmpera dum povo.

Nós somos o povo que sulcou os mares descobrindo terras e trazendo novos mundos ao mundo.

Nós somos o povo que globalizou o comércio e que fundou a grande aldeia global.

Nós somos o povo que há 200 anos fez frente às tropas de Napoleão.

Nós somos o povo que fez a revolução republicana.

Nós somos o povo que fez Abril.

Estou certo que nós somos um povo capaz de cumprir Abril.

Nunca devemos esquecer que uma democracia enfraquecida pode propiciar o aparecimento dum ditador por via eleitoral. A história está cheia de exemplos.

Hitler servindo-se duma crise financeira e ética profunda na democracia alemã chegou ao poder pela via eleitoral. Matou milhões de pessoas, de uma forma bárbara, com o silêncio e conivência de grande parte das elites alemãs.

Foi apenas há 70 anos. Alguns dos presentes já eram nascidos nessa altura.

Importa que não deixemos aos outros a possibilidade de escolher por nós e que usemos dignamente a nossa arma... o voto... a arma do povo.

Importa que saibamos sempre separar o trigo do joio e que não aceitemos nunca a corrupção, banindo e punindo de imediato os seus autores.

Importa que abramos o dicionário e que todos nós voltemos a dar sentido a palavras como pátria, honra, ética, dever e serviço público.

Importa que saibamos exigir o respeito por estes valores às nossas elites e políticos.

Importa que saibamos colocar o interesse público muito acima dos interesses individuais.

Importa que todos nós saibamos agir independentes dos interesses instalados, sabendo resistir aos lóbis, mesmo que com isso prejudiquemos interesses dos nossos amigos ou familiares.

Importa que todos nós saibamos dar o exemplo na nossa actuação diária.

Importa que todos nós lutemos diariamente, com os meios ao nosso alcance, pela construção duma sociedade melhor, transformando Portugal num país mais moderno e progressista, alicerçado em profundos princípios de conduta ética e moral.

Importa que saibamos construir um Portugal mais livre. Um Portugal mais igual. Um Portugal mais fraterno e solidário.

Importa que todos nós arregacemos as mangas e deitemos mãos à obra.

Tenhamos a coragem, todos juntos, de darmos as nossas mãos para, em conjunto, cumprirmos Abril.

Viva o 25 de Abril... Sempre!

Viva Miranda!

Viva Portugal!

Carlos Jorge Rodrigues do Vale Ferreira

Presidente da Comissão Organizadora das Comemorações do Centenário da República em Miranda do Corvo

Republicanismo e República XIV

Portugal em Guerra e o Ascenso da Contra-revolução

Em Fevereiro de 1916, Portugal logrou finalmente sair da situação de beligerância encoberta em que se encontrara perante o conflito mundial chamado chamado Grande Guerra. Necessitada que estava de navios mercantes, face às baixas infligidas à sua frota pela guerra submarina alemã, a Inglaterra solicitou ao governo português que procedesse à requisição de todos os navios inimigos que se encontrassem em portos portugueses. O governo de Afonso Costa dispôs-se a aceder ao pedido da Inglaterra, pondo, no entanto, a condição de o mesmo ser oficialmente formulado ao abrigo da aliança anglo-portuguesa, no que, os ingleses concordaram, não sem alguma surpresa por parte dos governantes portugueses. A 24 de Fevereiro foi publicado o decreto de confisco dos barcos e, alguns dias depois, a 9 de Março, a Alemanha declarou guerra a Portugal. Por seu turno, a Grã-Bretanha manifestou publicamente a intenção de assumir todas as obrigações da aliança, dando a Portugal todo o auxílio possível ou considerado necessário, quer na Europa, quer em África. Os dados estavam lançados e Portugal adquiria assim, jure et facto, o estatuto de país beligerante.

O Congresso da República, reunido a 10 de Março proclamou o estado de guerra e pronunciou-se pela necessidade da constituição de um ministério mais amplamente representativo da realidade política nacional. Desta posição do Congresso, nasceu a formação do Governo, chamado de União Sagrada (decalque de L’Union Sacrée, francesa). União que, todavia, se restringiu a democráticos e evolucionistas, dado que, apesar dos esforços feitos pelo presidente Bernardino Machado, tanto Brito Camacho como Machado Santos se recusaram a participar em tal projecto. O Partido Socialista Português negou também a sua participação e os monárquicos não foram sequer convidados. Sendo o divisionismo no campo republicano um facto insofismável, esperava-se, no entanto, que em torno de um empreendimento desta dimensão e importância se pudessem estabelecer consensos. Tal não aconteceu e isso não deixaria de ter reflexos negativos.

António José de Almeida foi o nome escolhido para chefiar o novo governo, ficando Afonso Costa com a pasta das Finanças. Sob o impulso forte e empreendedor do Ministro da Guerra, major Norton de Matos, foi realizado, em cerca de três meses, o chamado Milagre de Tancos, ou seja, a constituição do Corpo Expedicionário Português (CEP), composto por trinta mil homens razoavelmente preparados e equipados. Enfrentando dificuldades políticas e económicas de monta e uma tentativa de revolta em Tomar, encabeçada por Machado Santos, o governo conseguiu levar a efeito a participação das tropas portuguesas nas frentes de batalha europeias e ainda aumentar o esforço de guerra nas colónias. O primeiro contingente do CEP largou do Tejo a 30 de Janeiro de 1917, a bordo de três navios britânicos e chegou à Flandres a 8 de Fevereiro. O segundo contingente embarcaria a 23 desse mês de Fevereiro.

Entretanto, intensificavam-se os ataques internos das oposições, com destaque para os monárquicos germanófilos que, com apoio dos alemães, conspiravam contra a República e envenenavam a opinião pública, voltando-a contra os poderes instituídos. Aproveitando o ambiente de descontentamento provocado pela grande escassez de géneros de primeira necessidade, as suas atoardas acabavam, acolá e além, por produzir os efeitos desejados. A isto se somavam as incoerências políticas de um Brito Camacho e os comportamentos inconsequentes de um Machado Santos. Por motivações ideológicas, também os sectores sindicais, dominados pelo anarco-sindicalismo, se pronunciavam contra a política guerrista do Governo da União Sagrada. Por estas razões, foi-se instalando, pouco a pouco, na sociedade portuguesa, um clima de mal-estar que acabou por º texto do chegar ao próprio governo e por afectar negativamente alguns dos seus membros. Apesar da firmeza de propósitos dos principais chefes – António José de Almeida e Afonso Costa – em levar por diante o programa da União Sagrada, o Governo veio a cair, face à defecção de alguns evolucionistas.

Constituiu-se então novo Ministério, presidido por Afonso Costa, o seu terceiro governo constitucional. Eram inúmeras as dificuldades com que a acção governativa se defrontava, podendo afirmar-se que existiam duas frentes: a externa, compreendendo a questão da guerra e todos os problemas dela decorrentes e a interna em que a complicação maior era a das subsistências, aí se filiando um cortejo extenso de males – falta de géneros alimentícios e energéticos, alta de preços, contrabando, açambarcamentos, mercado negro, novo-riquismo. Mas também não faltavam adversidades de outra natureza, tais como a existência de elementos activos no interior das forças armadas a provocar estados latentes de insurreição e minorias politicamente organizadas a desenvolver acções de propaganda anti-governamentais. Assacando todas as culpas ao Governo, visavam contabilizar a seu favor todo o natural descontentamento das populações, face às condições de vida extremamente penosas, impostas pela economia de guerra. As misérias experimentadas pelos soldados na linha da frente e o elevado número de mortos, feridos e estropiados concorriam também para que as famílias portuguesas passassem a odiar uma guerra cuja razão de ser nunca fora, de resto, suficientemente entendida pelo povo, sobretudo o povo da província. Tudo isto constituía um caldeirão de ingredientes perigosos, fervendo num lume brando que a propaganda germanófila e anti-guerrista se esforçava por atear.

Entre Maio e Setembro de 1917, o país viveu um ambiente continuado de greves e tumultos e assaltos a padarias, mercearias e armazéns. A repressão, por parte das polícias, a esses actos de pilhagem, causava, invariavelmente, mortos. Degradava-se a imagem do Governo e a de Afonso Costa e eram constantes os rumores de golpe de estado. O jornal A Montanha, órgão democrático do Porto, abandonava o Partido e tornava-se independente. Em outro importante jornal democrático, O Mundo, um grupo de redactores, com Mayer Garção à frente, retirava-se para fundar A Manhã, diário independente. Nas eleições municipais de 4 de Novembro de 1917, os democráticos conquistaram apenas 92 dos 300 municípios conquistados em 1913. A nação portuguesa afundava-se e com ela o Partido Democrático em cujo interior se começavam a instalar desinteligências graves.

Em Novembro, Afonso Costa ausentou-se para Paris para aí participar numa conferência promovida pelos aliados. Aproveitando a sua ausência, a insurreição militar pôs-se em marcha. À sua frente aparecia uma personagem politicamente desconhecida, de seu nome Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais. Militar de artilharia e lente de matemática, exercera até Março de 1916 as funções de ministro plenipotenciário de Portugal em Berlim. Desde o seu regresso, conspirara activamente contra a União Sagrada e contra a política intervencionista, tentando assumir o papel de chefe e guia de todos os descontentes. No trabalho desenvolvido ao longo de todo esse tempo, logrou obter o apoio de grandes proprietários agrícolas e da alta burguesia que se dispuseram a financiar a causa. O próprio Sidónio Pais, discursando em Évora, referir-se-á a António Miguel Fernandes, lavrador rico de Beja (depois guindado ao cargo de Governador Civil de Lisboa), como «o homem que mais ajudou a revolução». O projecto envolvia unionistas, centristas, machadistas, monárquicos, católicos e, no sector militar, oficiais de baixa patente, cadetes da Escola de Guerra e alguns sargentos que se opunham com mais determinação à participação no front. Os próprios sindicalistas, ideologicamente antiguerristas e cansados que estavam de deterioradas condições de vida e de repressão, concediam a Sidónio senão apoio, pelo menos benefício da dúvida. Assim, todos esses empenhos, conseguiram insurreccionar algumas unidades militares da guarnição de Lisboa – artilharia, cavalaria e infantaria – que conjuntamente com os referidos cadetes e alguns populares (poucos) saíram à rua, ao anoitecer do dia 5 de Dezembro de 1917, e assentaram arraiais no alto do Parque Eduardo VII.

A resposta do governo foi frouxa, própria de um executivo que se encontrava num estado de grande debilidade. No entanto, a luta tornou-se acesa durante o dia 7, com duelos de artilharia e combates no Largo do Rato e na Avenida da Liberdade. Numa atitude timorata que contrastava com a firmeza que anteriormente demonstrara possuir, o Ministro da Guerra, Norton de Matos, apresentou o seu pedido de demissão ao Presidente Bernardino Machado. O desânimo e a desorientação instalados no Governo, estando Afonso Costa ausente, acabaram por oferecer a vitória aos revoltosos. A postura, eternamente conciliadora, de Bernardino Machado levou-o a considerar a possibilidade de fazer um entendimento com os mentores da revolução. Nesse sentido, pediu a comparência junto de si do chefe unionista, Brito Camacho, o qual, pura e simplesmente, ignorou o pedido. Bernardino Machado ostentava assim um desconhecimento ingénuo quanto ao que realmente se estava a passar, não se apercebendo do que representava a revolta e das intenções que a mesma comportava, facto tanto mais indesculpável quanto era verdade que a insurreição havia sido tramada quase às claras. As declarações e proclamações iniciais dos vencedores, feitas a 8 de Dezembro, em nome da Liberdade e da República e defensoras da presença de Portugal na guerra, ao lado dos aliados, não escondiam o cariz germanófilo, conservador e revanchista do movimento. Contavam, no entanto, com o apoio do antiguerrista Brito Camacho e do eterno conspirador, Machado Santos, campeão do ódio a Afonso Costa. E tinham também o assentimento do médico e cientista Egas Moniz que, entretanto, desenvolvia esforços para formar um novo clube político, o Partido Centrista Republicano.

Regressando de Paris, sem ter noção exacta do que se estava passando em Portugal, Afonso Costa foi preso no Porto. Por seu turno, o Presidente da República, Bernardino Machado, instado a renunciar ao cargo, recusou fazê-lo, sendo por isso demitido por decreto e forçado a exilar-se. Após quatro meses de prisão, também Afonso Costa partirá para o exílio em Paris, cidade onde virá a fixar residência permanente. O movimento dezembrista, assim chamado por ocorrer em Dezembro, dará lugar a uma ditadura personificada pela figura de Sidónio Pais, regime que rapidamente desaparecerá após a morte do ditador, na noite de 14 de Dezembro de 1918, data do seu assassinato na Estação do Rossio, em Lisboa.

Publicado por Fernando Fava.