quinta-feira, 14 de abril de 2011

Republicanismo e República XIII

Os Anos de Guerra

A deflagração da Primeira Guerra Mundial e o assassinato do filósofo e político francês pacifista, Jean Jaurès, acontecimentos coincidentes no tempo, foram profundamente sentidos em Portugal. Escrevendo para O Comércio da Póvoa de Varzim de 2 de Agosto e para O Norte, diário democrático da tarde, de 4 de Agosto do ano de 1914, o Professor Leonardo Coimbra, filósofo, pedagogo e político republicano do Partido Democrático, dá uma nota comovida da morte absurda do grande filósofo francês e faz algumas reflexões explicativas do seu pensamento. Em simultâneo, expressa o seu alinhamento pela causa dos aliados e verbera o pangermanismo, manifestando a sua crença no espírito francês, ao qual atribui um papel libertador e civilizacional.

O tema da guerra e a própria guerra passaram, a partir desta altura, a marcar o andamento da vida política e social do país. Uma primeira e grande questão se colocava a Portugal, a de saber da posição oficial a assumir perante o gigantesco conflito. Entre os chefes republicanos, o que maioritariamente se mostrava mais conveniente para a defesa do nosso património colonial, era a participação directa dos portugueses no teatro de guerra da Europa, ao lado dos aliados e sob o enquadramento da velha aliança anglo-lusa. Esta orientação era defendida tanto por democráticos como por evolucionistas. A 1 de Agosto de 1914, dia do começo oficial da guerra, a questão da nossa muito singular posição foi colocada, por via diplomática, à Inglaterra. Respondeu a velha aliada que, por ora, nos abstivéssemos de quaisquer declarações oficiais, fossem elas de beligerância ou de neutralidade. Era uma resposta que nos deixava numa situação ambígua e desconfortável tanto mais que se adivinhava como certa e para breve uma guerra que teríamos de travar em África contra os apetites, já sobejamente exibidos pela Alemanha, pelos nossos territórios coloniais. De todo o modo, havia que reconhecer que sem o apoio logístico da Inglaterra em transportes e equipamentos, não dispúnhamos de um mínimo de condições que nos permitissem avançar para a frente europeia.

Colocado o país perante um tal leque de indefinições, o Congresso da República, reunido a 7 de Agosto, aprovou um documento que dava forma escrita a um conjunto de intenções sobre política externa portuguesa. O documento previa, de forma implícita, a entrada da nação portuguesa no teatro de guerra europeu em função dos seus compromissos internacionais, mormente a aliança com a Inglaterra.

A confirmar as suspeitas quanto às intenções alemãs em África, logo a 25 desse mês de Agosto se registavam escaramuças entre tropas portuguesas e germânicas na fronteira norte de Moçambique e pouco depois, a 19 de Outubro, na fronteira sul de Angola. Estávamos assim iniciando uma guerra que era, afinal, a mesma que se travava na Europa, com a diferença de as nossas frentes de batalha se situarem em outro continente. A forçada neutralidade não oficial para que fôramos remetidos era fomentadora de grande animosidade contra os ingleses mas também de quezílias entre os portugueses. A este respeito, o líder unionista, Brito Camacho, defendia teses, nas quais, para os nossos interesses coloniais e outros seria melhor a nossa obediência aos desígnios e visão estratégica da Inglaterra e respeito pelo que no Tratado da Aliança se encontrava estipulado. Não pensavam assim, porém, os outros chefes políticos que não confiavam nas intenções da Pérfida Albion quanto a um efectivo auxílio na defesa das colónias portuguesas, e suspeitavam até que ela quisesse utilizar as nossas possessões africanas como moeda de troca, no contexto de um eventual acordo entre as duas principais potências bélicas, tendente a acabar com o conflito. Neste mesmo sentido, entendia a forte corrente intervencionista e os seus principais mentores que somente a participação directa de Portugal no front garantiria os nossos históricos direitos aos territórios ultramarinos, e, por outro lado, nos traria a legitimidade de nos sentarmos, de pleno direito, à mesa dos vencedores, reclamando devidas indemnizações ou compensações de guerra.

Entre o fogo cruzado de guerristas e não-guerristas, o governo, sob a batuta conciliadora de Bernardino Machado, tentava gerir a difícil situação, procurando não criar qualquer desaguisado com a Inglaterra. Prevendo-se para o país um estado permanente de conflitualidade, foram adiadas, sine die, as eleições legislativas. A 20 de Outubro houve que sufocar uma rebelião monárquica com epicentros em Bragança e em Mafra; presos os rebeldes, estes afirmaram-se contra a entrada de Portugal na guerra, sendo esse o motivo da sua revolta. Entretanto, por nota escrita, enviada ao Ministro de Portugal em Londres, Manuel Teixeira Gomes, com data de 10 de Outubro, o governo inglês convidava Portugal a sair da sua situação de neutralidade oficiosa e a alinhar de forma activa ao lado da Inglaterra e dos aliados, não significando isso, contudo, que pudesse, a partir daí, adoptar ou invocar o estatuto de país beligerante; se tal quisesse, teria de invocar razões próprias e não obrigações advindas da aliança. Feito nestes termos, o convite contrariava as propostas dos intervencionistas portugueses e parecia oferecer argumentos aos que advogavam a não entrada do país na cena de guerra europeia, tendo assim o efeito de complicar ainda mais a conturbada situação política portuguesa. Em todo o caso, sob prévia aprovação do Congresso da República, começaram os preparativos para a formação da Divisão Auxiliar, ou seja, um corpo de tropas português com destino à frente de guerra na Europa, se bem que houvesse totais indefinições quando a destinos e datas de partida. Em Dezembro, o governo, alvo de hostilidades provindas de todos os quadrantes políticos e sociais, pediu a demissão. O presidente da Câmara de Deputados, Vítor Hugo de Azevedo Coutinho, formou novo executivo que logo a veia anedotística portuguesa apodou de «os miseráveis», em clara alusão ao nome do seu chefe. De imediato, os unionistas renunciaram aos seus mandatos no Parlamento em sinal de protesto contra um governo que consideravam de forte influência do Partido Democrático e, no seu jornal partidário, A Luta, reputavam de «maior perigo para a República». Foram então marcadas eleições legislativas para 7 de Março de 1915.

Entretanto, de 20 a 25 de Janeiro de 1915, acontecimentos de acentuada gravidade desenrolaram-se na cena política nacional, dando lugar e configuração ao facto histórico que veio a ficar conhecido por «Movimento das Espadas». Em sinal de protesto contra a prisão e transferência de alguns camaradas de armas, reputadamente monárquicos, grande número de oficiais das guarnições de Lisboa e de outras praças militares no país, fez a entrega das suas espadas aos seus superiores hierárquicos. Machado Santos acompanhou o gesto, entregando a sua espada (a mesma que usara na Rotunda) ao presidente da República, Manuel de Arriaga. Também a oposição unionista apoiou o movimento, fazendo coro com estes descontentes. Arriaga forçou então a demissão do governo de Vítor Hugo Coutinho e encarregou um seu particular amigo, o general Pimenta de Castro, de formar novo ministério e governar em ditadura. O governo saído deste golpe semi-militar, semi-palaciano, era, na sua maior parte, composto por militares de confiança do velho general. As eleições legislativas, marcadas para 7 de Março, foram adiadas sine die. Depois, a 4 de Março de 1915, forças policiais a mando do Governo impediram a entrada dos deputados democráticos no Parlamento. Estes, conjuntamente com os seus colegas senadores, reuniram então no Palácio da Mitra, em Loures, aprovando aí uma moção, na qual o ministério presidido por Pimenta de Castro era qualificado como fora-da-lei.

O governo da ditadura deu então início a uma política de perseguição aos republicanos, sobretudo democráticos, e de acolhimento a católicos e monárquicos. Lançou uma amnistia geral para presos e exilados políticos, logrando com isso a presença provocatória de Paiva Couceiro em Lisboa. Entretanto, procedeu à dissolução da Câmara Municipal de Lisboa e de várias outras pelo país, substituindo as edilidades por comissões administrativas. Quanto ao problema da guerra, Pimenta de Castro era claramente um germanófilo e um inimigo declarado dos intervencionistas e daí o boicote aos trabalhos de preparação da Divisão Auxiliar, com desmobilizações ou concessões de licenças aos militares já convocados para essa missão especial. Com todas essas medidas e arranjos conseguiu Pimenta a proeza de unir de novo os republicanos, porém contra si próprio. Em Maio, protestos de rua anti-monárquicos ocorreram em Lisboa, em Coimbra e em outras cidades. Logo o Governo proibiu todas as manifestações susceptíveis de «alterar a ordem pública e o bom-nome das instituições». A situação tornou-se tão complicada que até o próprio presidente Arriaga, grande mentor da ditadura, começou a ter dúvidas quanto à conveniência para a República e para o país, da governação exercida por Pimenta de Castro.

Por fim, uma madrugada libertadora veio pôr termo à incongruência: na antemanhã do dia 14 de Maio de 1915, cerca das quatro horas, os holofotes dos couraçados Vasco da Gama e Almirante Reis, fundeados no Tejo, iluminaram a cidade. Era o sinal para o começo de uma revolta preparada por oficiais da Marinha e do Exército, muitos deles maçons e politicamente próximos de Afonso Costa. Pouco tempo depois, marinheiros secundados por numerosos civis, controlavam não só os navios de guerra no Tejo como ainda o Quartel de Marinheiros em Alcântara e os Arsenais da Marinha e do Exército. Tal como no 5 de Outubro, também agora o poder de fogo dos vasos de guerra se revelou decisivo para a vitória dos revoltosos, só que nesta refrega o derramamento de sangue foi muito superior. Tal como no 5 de Outubro, também agora a República foi proclamada das janelas dos Paços do Concelho, acto simbólico repleto de significado e estrondosamente aplaudido pelo povo de Lisboa.

Reposta, pois, a normalidade constitucional, foi chamado a formar governo João Chagas, Embaixador de Portugal em Paris e que à data do 14 de Maio de 1915 se encontrava em Lisboa. Mas, alvejado a tiro pelo professor e membro do Senado, João de Freitas, na estação do Entroncamento, Chagas ficou cego de um olho e desfigurado, sendo-lhe assim roubada a oportunidade de exercer o honroso cargo, nesse momento de assinalável importância histórica. Assumiu então a chefia do governo, José Augusto Soares Ribeiro de Castro, advogado e escritor e pai do então «jovem turco» Álvaro de Castro, licenciado em direito e oficial de infantaria. Na sequência dos acontecimentos, Manuel de Arriaga renunciou ao seu mandato de Presidente da República, sendo eleito para o cargo Teófilo Braga, que, constitucionalmente, desempenharia essas funções até 5 de Outubro de 1915. A governação de José de Castro retomou e intensificou os trabalhos de constituição da Divisão Auxiliar, procurando recuperar o atraso causado pelas atribulações provocadas pela ditadura de Pimenta de Castro. Nas eleições legislativas, realizadas a 13 de Junho, o Partido Democrático obteve maioria absoluta nas duas câmaras do Parlamento. Os democráticos voltavam assim ao poder, porém, a 3 de Julho, Afonso Costa precipitou-se de um eléctrico numa tentativa de escapar ao que julgou ser um atentado contra a sua pessoa. A aparatosa queda causou-lhe um traumatismo craniano que o reteve em casa, em convalescença prolongada. Recuperado ao fim de alguns meses, um governo composto só por democráticos e por si chefiado, iniciou funções em 29 de Novembro desse ano de 1915. A posse foi-lhe conferida por Bernardino Machado, entretanto eleito presidente da República para o quadriénio 1915-1919, nos termos da Constituição, e a exercer, efectivamente, esse mandato desde 5 de Outubro.

Publicado por Fernando Fava

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Republicanismo e República XII

A supremacia eleitoral do Partido Republicano Português e a afirmação de Afonso Costa como governante e estadista

No quadro político gerado pela institucionalização dos três partidos Republicanos – Democrático, Evolucionista e Unionista – o Partido Democrático (oficialmente Partido Republicano Português), com grande peso representativo dentro e fora do Parlamento, condicionava governações e governantes. Em Junho de 1912, os democráticos provocaram a queda do governo do professor Augusto de Vasconcelos, por manifesta desconfiança em relação à figura do Ministro do Interior, o unionista Silvestre Falcão. O encargo de formar novo governo foi cometido ao professor da Politécnica do Porto, Duarte Leite, pessoa que, após uma primeira desistência, conseguiu formar um ministério de concentração partidária, que integrava democráticos, unionistas e evolucionistas.

Sendo a tomada de posse a 16 de Junho, logo a 6 de Julho seguinte teve o novo executivo de se defrontar com uma segunda incursão monárquica, de novo capitaneada por Paiva Couceiro. De imediato, o governo mandou seguir tropas para o norte a fim de reforçar as guarnições locais. Entrados mais uma vez pela Galiza, os assaltantes, desta feita em maior número e melhor armados, vinham com a intenção firme de restaurar a monarquia. Em três colunas dirigiram-se, separadamente, a Valença, a Vila Verde da Raia e a Chaves. Em todos estes locais, os seus ataques acabaram por ser repelidos pelas forças da República. Após três dias de combates, com baixas de pequena monta, de parte a parte, terminaram os monarquistas por se retirarem, cruzando de novo a fronteira a caminho de Espanha. Os julgamentos dos implicados na conjura decorreram por todo o resto do ano de 1912 e esse foi o assunto que, por igual tempo, animou e acalorou as sessões das Câmaras, com os parlamentares divididos entre os indultos e as condenações.

Esta segunda derrota monárquica desfez as ilusões dos que, à data, ainda esperavam uma mudança de regime. Nessa ambiência, os influentes políticos locais, de norte a sul do país, sempre arrivistas e desejosos de manter os seus poderes, começaram a aderir ao Partido Democrático, pela simples razão de ser este o partido que mais garantias lhes dava de vir a dominar a vida política da Nação e, nesse sentido, de vir também a contemplar a suas expectativas de manutenção dos seus estatutos de pessoas influentes. Ora se o partido de Afonso Costa era já forte, mais forte ficou com essas adesões, de tal forma assim que passou a ser entendimento dos seus dirigentes que deveriam assumir o poder executivo e governar sem parcerias. Ademais, a conjuntura era-lhes propícia, uma vez que o bicéfalo «bloco», composto por evolucionistas e unionistas, só ocasionalmente conseguia entender-se e dar apoio parlamentar ao Governo de Duarte Leite e este, naturalmente, vinha-se ressentindo de uma tal situação. E, muito embora António José de Almeida viesse afirmando que estava pronto a assumir responsabilidades governativas, a verdade é que para tal não reunia quaisquer hipóteses, posto que o seu partido, comparado que fosse o poderoso Partido Democrático não passaria de mera patrulha política, sendo também certo que num lance de natureza governativa não poderia contar com o apoio incondicional e permanente dos unionistas. Não é pois de estranhar que, em Janeiro de 1913, na sequência da demissão do governo de Duarte Leite, o presidente Manuel de Arriaga se visse compelido a chamar Afonso Costa para constituir ministério.

Chegado ao poder, à frente do primeiro governo monopartidário da República, a grande preocupação de Afonso Costa foi a de pôr ordem na caótica e sempre deficitária situação financeira do país. Por essa razão acumulou a Presidência do Conselho de Ministros com a pasta das Finanças, encetando uma política de rigorosa contenção orçamental. Para o efeito, criou mecanismos legais adequados, designadamente a famosa Lei-Travão, lei esta que impedia quaisquer gastos fora das condições e especificações de um quadro de despesas previamente definidas e tidas como indispensáveis. Por outro lado, aumentou a receita, instituindo o princípio do imposto progressivo, com isso fazendo os ricos pagarem mais que os pobres. Nos dois exercícios orçamentais que se seguiram à sua tomada de posse como chefe de governo, as Contas do Estado saldaram-se – situações únicas na República – com superavit.

A 27 de Abril de 1913, eclodiu uma revolta contra o governo, logo prontamente sufocada. Conluiados estavam monárquicos, sindicalistas e republicanos radicais. Pela primeira vez, facto inquietante a indiciar autodilaceração, assistia-se a uma revolta de republicanos contra republicanos. Por detrás do golpe, agindo na sombra, estava o republicano Machado Santos, o herói da Rotunda, declaradamente inimigo público de Afonso Costa. Por todo o mês de Abril se registaram manifestações e atentados bombistas. Afonso Costa prosseguiu, com firmeza, a sua obra governativa, enfrentando greves e atentados à bomba e praticando reformas, com produção de nova legislação em áreas como a instrução pública, finanças, fiscalidade e direito administrativo.

Em 20 de Outubro o governo neutralizou mais uma tentativa de revolta, desta vez monárquica e que ficou historicamente conhecida por Primeira Outubrada. A 16 de Novembro realizaram-se eleições suplementares para preenchimento de lugares vagos na Câmara de Deputados. Arrecadando maior número de votos, os democráticos reforçaram a sua representação parlamentar, passando a dispor de maioria absoluta na Câmara de Deputados. Até então, tinham governado em concertação com os unionistas, ao abrigo de um entendimento táctico entre Afonso Costa e Brito Camacho. Pouco depois, a 30 de Novembro, o Partido Democrático coleccionava outra vitória eleitoral, a das eleições municipais. A partir daí, os unionistas passaram a fazer uma oposição cerrada ao Governo, o que, de resto, favorecia Afonso Costa, posto que, desta forma, ficavam tranquilizados alguns sectores do seu partido que não viam com bons olhos o entendimento com Camacho.

A 4 de Fevereiro de 1914, de novo sob impulso de Machado Santos e de sectores radicais que o apoiavam, grupos de populares (sobretudo operários desagradados com a política anti-sindical do governo) marcharam do Largo de Camões em direcção ao Palácio de Belém, exigindo ao presidente da República a demissão do governo de Afonso Costa. Ouvidos os líderes partidários (note-se que tanto Almeida como Camacho haviam recusado participar na manifestação), Manuel de Arriaga defendeu publicamente uma amnistia para presos e proscritos políticos, a revisão da Lei de Separação da Igreja do Estado e a cessação das hostilidades entre os republicanos. Face à complexa e delicada situação, Afonso Costa apresentou o pedido de demissão colectiva do seu governo. Foi então chamado a formar ministério o Professor Bernardino Machado, político independente, próximo do Partido Democrático, entretanto regressado do Brasil onde exercera o cargo de Ministro de Portugal no Rio de Janeiro. O seu Governo, constituído por três democráticos e cinco independentes, tomou posse a 9 de Fevereiro, dando início a uma política de apaziguamento (pedida pelo presidente da República) que conseguiu atenuar o clima de exacerbadas paixões políticas em que o país mergulhara: concedeu amnistias, autorizou o regresso de prelados às suas dioceses e prometeu rever a Lei da Separação da Igreja do Estado.

Desta forma, chegou o Portugal Republicano às vésperas do primeiro conflito armado à escala mundial, a Grande Guerra. Há muito adivinhada, por questões de mercados e de partilhas coloniais, o rastilho que incendiou o barril de pólvora foi a morte do grão-duque Francisco Fernando, herdeiro do Império Austro-Húngaro, assassinado a tiro por um independentista sérvio, em Sarajevo, a 28 de Junho de 1914. Uma guerra que os participantes de um lado e de outro supunham estar resolvida pelo Natal e que acabou, afinal, por tomar proporções inimagináveis e prolongar-se por quatro longos anos, com um saldo assustador em feridos, mortos e estropiados.

Uma comoção de tal envergadura teria, necessariamente, de condicionar a política e a economia dos países, directa ou indirectamente envolvidos nas hostilidades. Em Portugal, país de facto beligerante, primeiro em África e depois também na Europa, os efeitos da formidável contenda foram transversais, atingindo, a todos os níveis, o funcionamento das instituições e a vida dos portugueses, com consequências de monta. A história da República passou a confundir-se com a história da guerra e nisso se projectaram também as distintas posições dos grandes chefes políticos: Afonso Costa de resolução pronta pela entrada de Portugal ao lado da Inglaterra; António José de Almeida a pender para aí, inicialmente porém, hesitante; Brito Camacho, tenazmente contra.

O pomo da discórdia era, ao momento, a nossa participação nos campos de batalha na Europa, visto que em África a luta armada pela defesa dos territórios de Angola e de Moçambique, face aos ataques alemães, era uma realidade que vinha desde o início do conflito. Enquanto uns pensavam que para a defesa do património colonial seria suficiente o esforço militar em África, outros, porventura mais atinadamente, julgavam que, para tanto, era necessária a participação directa no teatro de guerra europeu, posto que somente com uma reconhecida qualidade de país beligerante, Portugal poderia vir a sentar-se à mesa das negociações de paz. Este divisionismo cresceu com o surgimento, à escala nacional, de facções guerristas e facções antiguerristas, epifenómeno de uma teia complexa que ligava sentimentos germanófilos ou anglófilos a motivações políticas, a comodismos e a interesses económicos.

Publicado por Fernando Fava